Em nosso exame, o Governador nos acusou com o nome de Anabatistas, ao qual eu respondi: Eu rejeito o nome, eu não sou nem um Anabatista, nem um Pedobatista, nem um Catabatista; ele me disse, apressadamente, que eu era todos.
John Clarke, Ill News from New England, or A Narrative of New-Englands Persecution. Londres, 1652, p.5
*
Nomes e conceitos importam. Eles trazem consigo uma carga semântica sobre a qual muitas vezes não temos controle. Em determinadas ocasiões, é preciso uma verdadeira refrega para conquistar uma identidade desejada sob a alcunha desejada. É o caso do termo “batista”. Não é possível precisar quando o termo “batista”, enquanto designante do grupo de cristãos que praticava o credobatismo imersivo, foi cunhado e colocado em voga. O que temos são algumas incidências, às vezes mais ou menos satisfatórias, dessa palavra.
Robert B. Hannen, em seu artigo Historical Notes on the Name “Baptist”, faz algumas observações relevantes que merecem referência.
Thomas Helwys, que liderou uma minoria de volta à Inglaterra por volta de 1612, usou o título ‘A Igreja de Cristo’ em sua confissão daquela data, e esse nome não-inflamante foi usado repetidamente por outros na história subsequente do movimento. Alguns dos nomes preferidos foram ‘Igrejas que são comumente (embora falsamente) chamadas Anabatistas,’ ‘Congregações reunidas segundo o Padrão Primitivo,’ ‘Cristãos (batizados sob Profissão de sua Fé)’ e ‘Crentes Batizados.’ Nem mesmo uma das confissões do século XVII usa o nome “Batista” como um título descritivo. (…)
O que é geralmente conhecido como os Registros de Broadmead, Bristol, foram intitulados, de fato, “Os Registros de uma Igreja de Cristo,” e sua correspondência parece ter seguido essa forma. (…)
O estilo muda, entretanto, em comunicados endereçados a oficiais públicos, pois neste caso alguma especificidade tinha que ser introduzida para distinguir um grupo de Cristãos de outro. Ainda assim, o nome “Batista” não é usado, mas “igrejas batizadas” ou “aqueles que são chamados Anabatistas”.
(Historical Notes, p. 63.)
Hannen oferece alguns exemplos notáveis:
Ao Justo Honorável General Monk, Comandante-Chefe de todas as Forças na Escócia. O humilde discurso das igrejas batizadas… em St. Johnston, Leith e Edinburgo (1654)
A humilde Representação e Reivindicação… das Igrejas Batizadas nesta Nação. … (1654)
Discurso das Igrejas Batizadas em Northumberland etc., ao Lord Protetor. (1654)
Discurso dos Cristãos Batizados em Dublin ao Lorde Protetor. (1657)
A Humilde Apologia de alguns comumente chamados Anabatistas…apresentada à mais Excelente Majestade do Rei. (1660)
O Segundo Humilde Discurso daqueles que são chamados Anabatistas…apresentado à Sua Majestade, Carlos II. … (1660)
Ao Rei… a Humilde Representação de diversas sociedades, comumente chamadas pelo nome de Anabatistas. … (1660)
Um Apelo por Tolerância, humildemente apresentado à mais Excelente Majestade do Rei, por John Sturgion, um membro do Povo Batizado. (1661)
(…)
Em um apêndice à Confissão Londrina de 1646, Benjamin Cox oferece ‘Uma Declaração mais completa da Fé e Julgamento dos Crentes Batizados.’ Dois exemplos podem ser citados do mesmo ano, 1646. No posfácio a ‘O Brilho do Fogo Flamejante’, Hansard Knollys fala da “companhia de Crentes Batizados.” Além disso, um pequeno tratado anexado à segunda edição da Confissão Londrina é intitulado Lamúrias para Desgraça de Professos…, Pelas igrejas de Cristo em Londres, Batizadas no Nome de Jesus Cristo. William Kiffin e seus colegas, que escreveram a carta de cautela aos irmãos na Irlanda, em 1653, os alertam de que, se problemas sobrevierem, certamente seriam “atribuídos às igrejas batizadas.”
(…)
O uso mais consistente parece ter sido o de Thomas Grantham, que quando quer um termo com uma palavra, usa “Batista”, e quando ele usa duas palavras, diz “Crentes Batizados”. O que segue ilustrará sua terminologia:
O Batista contra o Papista… em que também se evidência que as atuais Assembleias de Crentes Batizados são a verdadeira Igreja de Jesus Cristo (1663)
A Apologia do Pedobatista pelas Igrejas Batizadas. (1671)
O Batista Leal, ou uma Apologia pelos Crentes Batizados. (1674)
Uma Epístola Amigável (1680) usa “crentes batizados” e “congregações batizadas” no texto.
Epístola para Plena Verdade entre Protestantes da Igreja da Inglaterra e aqueles dos Crentes Batizados. (1680)
Ouçam a Igreja… sendo uma Epístola a todos os Crentes Batizados na Inglaterra. (1687)
Um diálogo entre um Batista e Um Presbiteriano. (1691)
(Idem, pp. 63-65.)
Por outro lado, os opositores dos batistas, em geral, insistiam em atribuir-lhes nomes depreciativos, sendo “Dippers” o mais comum. O termo se enquadra bem no contexto britânico do século XVII. Foi nesse período, especialmente no contexto das Revoluções Inglesas, que diversos outros grupos políticos e religiosos foram, semelhantemente, apelidados por seus detratores. Assim surgiram os levelers (niveladores), os diggers (cavadores), os ranters (fazendeiros), os seekers (buscadores), os quakers (trêmulos) e, finalmente, os dippers (mergulhadores). Como John Clarke ironizou brilhantemente, tudo o que os opositores dos batistas desejavam era um nome para lhes agitar às vistas – como se fosse possível ser, ao mesmo tempo, um Pedobatista, um Catabatista e um Anabatista.
A partir dessa evidência, parece que o nome “Anabatista”, embora depreciado e frequentemente repudiado, era usado ocasionalmente porque não havia outra designação comum disponível. Esse era, de fato, o nome normalmente usado em documentos legais e parlamentares, como ‘Uma Ordem dos Lordes reunidos em Parlamento para a punição dos Anabatista (1646)’, e no ato ‘Contra todas as Reuniões dos Quakers e Anabatistas’ (Edimburgo, 1661).
(…)
Alguns nomes que encontramos ocasionalmente em vários lugares devem ser notados de passagem. “Catabatista” reaparece no famoso (ou infame) Catabaptistarum Catacrisis, mais conhecido como O Afogo dos Mergulhadores (1645), e, ocasionalmente, em Thomas Goodwin; do contrário, é raramente usado.
O nome “Mergulhadores” surge com o uso da imersão, e Thomas Edwards nunca deixa de usá-lo depreciativamente em Grangraena.
(…) Os próprios Batistas usavam livremente os verbos submergir [to plunge], mergulhar [to dip] e imergir [to immerse], e ocasionalmente parecem ter falado de “João, o Mergulhador” […]
(Idem, pp. 64-65.)
Nem mesmo John Bunyan, detestado então por tantos batistas e ovacionado hoje por tantos outros, embora simpatizante da causa batista, não ousava atribuir a si ou a qualquer o nome “batista”.
Tu me perguntas, em seguida, “Desde quando eu sou um Batista?”… Eu devo te dizer, evitando tua linguagem desleixada, Eu não conheço um só a quem esse título seja tão apropriado quanto aos discípulos de João. E já que tu queres saber por qual nome eu me distinguiria dos outros; Eu te digo que eu seria, e espero ser, um Cristão; e escolho, se Deus me considerar merecedor, ser chamado um Cristão, um Crente, ou algum outro nome que seja aprovado pelo Espírito Santo. E quanto aos títulos facciosos de Anabatistas, Independentes, Presbiterianos, e tais, eu concluo que eles não vêm nem de Jerusalém, nem de Antioquia, mas sim do inferno e da Babilônia; pois eles naturalmente tendem a divisões.
(BUNYAN Apud HANNEN, op.cit., p. 66.)
Segundo Hannen, a primeira ocorrência do termo “batista” em um título de livro na Inglaterra se deu na obra de William Britten, A Moderate Baptist (1654), enquanto o primeiro uso mais sistemático feito por um batista foi obra de Robert Pittillok, na Escócia, em sua obra Hammer of Persecution (1659). Somente no século XVIII, diz ele, o nome teria se difundido com mais arrojo. A este respeito, vale a pena ouvir o que Thomas Crosby, o primeiro historiador batista de fato, habitante do século XVIII, tem a dizer sobre a questão circa 1738:
E eu observaria aqui que, embora na página do título deste livro, e por todo ele, eu use o termo Batista, exceto em citações de [outros] autores; não é, como o Dr. [William] Wall observa, para lançar uma reprimenda em nossos adversários; mas porque eu penso ser o termo mais apropriado, pelo qual podemos ser distinguidos de outros Cristãos.
De fato, ele diz ‘Como eles rejeitam o nome de Anabatistas, ou Rebatizadores, eu assim não lhes atribuí em lugar algum. Bem como, pelo contrário, eu não lhes dou o nome de Batistas, nem o de povo batizado; pois isso é lançar uma reprimenda sobre seus adversários, como se concluindo que eles não o sejam. Todo grupo, enquanto a questão continua em disputa, deve atribuir e tomar tais nomes de sorte a não lançar reprimenda sobre si mesmos, nem sobre seus oponentes, mas da forma como cada um o tem; e tais são os nomes que eu uso.’
De forma que esse valoroso cavalheiro tomou sobre si mesmo o ser nosso padrinho, e nos deu o nome de Anti-Pedobatistas: Mas, como não somos crianças, temos um direito indubitável de firmar nossas divergências.
Para além do tamanho da palavra, já que eu não amo nomes difíceis, não me parece um nome apropriado; porque o povo chamado Quakers, de quem diferimos de opinião, tanto quanto dos Pedobatistas, podem ser [nele] incluídos; e portanto eu o rejeitei.
(The History, vol. I, pp. vii-viii.)
Do ponto de vista historiográfico, a obra de Crosby foi a primeira do gênero histórico a postular decisivamente o termo “batista” para os credobatistas imersionistas calvinistas congregacionalistas ingleses do século XVII, contribuindo decisivamente para poupar nossa fadiga verbal. É interessante notar, contudo, que Crosby é um dos primeiros a reivindicar com firmeza o termo “batista”, e não “batizado”, uma mudança significativa em relação ao século XVII.
Mas qual seria o problema, para os opositores dos credobatistas, em aceitar a designação que eles mesmos se atribuíam, viz., “igrejas batizadas” ou “crentes batizados”? B. R. White explicitou e resumiu a questão:
Incidentalmente, eles não se referiam a si mesmos nesse período como Batistas Calvinistas, mas como ‘as igrejas de Cristo andando na fé e ordem do Evangelho’, ou como ‘as igrejas batizadas’. Enquanto o termo ‘Anabatista’, atribuído a eles por outros, tinha a intenção de não apenas ligá-los às semi-rememoradas histórias de atrocidades dos Anabatistas em Münster um século antes, mas também insistir que eles eram re-batizadores, o termo deles para si próprios, ‘as igrejas batizadas’, claramente indicava que os outros Cristãos não eram, a seus olhos, nem mesmo batizados!
(The English Baptists, p. 68.)
De um lado, portanto, os credobatistas rejeitavam para si o termo “anabatista” por se tratar de propaganda detratora e insultuosa; de outro, os pedobatistas não poderiam aceitar para os credobatistas o termo “batista” por insinuar, assim, que sua própria prática cerimonial corrente não seria, de fato, um batismo.
Conclusão
A conclusão de Hannen me parece bastante apropriada.
Se uma conclusão provisória deve ser oferecida para fechar este artigo, seria ela que o nome “Batista” aparece no século XVII sem o patrocínio de um grupo representante. Ele não era aceito por nenhum grupo de igrejas para sua designação pública. Ele provavelmente não se originou entre os Batistas, e apenas alguns poucos de seus escritores fizeram grande uso dele. (…) A condescendência com um apelido teria enfraquecido sua reivindicação de serem Cristãos inteligentes e responsáveis. Se algum distintivo qualificador era necessário para distingui-los de outros Cristãos, então “batizado” era preferível, porquanto alicerçado na boa prática do Novo Testamento. O nome “Batista” foi imaginado por muitos, sem dúvida, ser muito próximo de “Anabatista” para ser confortável, e não dizia nada que os Batistas claramente queriam dizer. Inicialmente, deve ter-lhes parecido que havia pouco a ser ganho com sua adoção.
A conveniência, e não a definição precisa, provavelmente determinaram a questão finalmente no século XVIII.
(Historical Notes, pp. 70-71.)
Enquanto no século XVII o termo “batista” estava ainda em processo de gestação, deu-se no século XVIII uma batalha pela sedimentação da designação “batista”. Parece-nos que os batistas acabaram se saindo mais vitoriosos que derrotados no páreo, ao emplacar universalmente o nome de “batistas”. Mas o termo “batista” no século XVII não teria o mesmo sentido semântico que o tem hoje, para nós. Ele poderia facilmente associar as igrejas batistas à figura de João Batista, o que era em todo indesejável, por inúmeros motivos. Assim, a vitória completa dos batistas teria sido o triunfo da designação “igrejas batizadas”, o que também representaria uma derrota de todas as demais denominações.
Atualmente, todavia, os termos “batista”, “anabatista” e “pedobatista” perderam muito de seu significado histórico. Quando um pedobatista se refere a um credobatista somente por “batista”, ele está longe de reconhecer a validade exclusiva do credobatismo ou de dizer que suas próprias práticas de batismo são inválidas. Essa evolução semântica pode ter sido um passo civilizacional na relação entre os reformados, e não há mérito em tentar reverter esse ganho. Entretanto, parece-me que, em nome da cordialidade, o diálogo doutrinário acabou sendo parcialmente asfixiado. Entretanto, embora o pedobatista não chame os batistas de “anabatistas”, ele pode seriamente pensar o inverso disso, se o batista afirma a necessidade de batizar mediante profissão de fé uma criança supostamente batizada recém-nascida? Inversamente, existe para o credobatista convicto alguma conclusão alternativa, senão rejeitar a validade do pedobatismo e afirmar a validade exclusiva do credobatismo imersivo? Talvez o retorno, honesto e irênico, ao reconhecimento das coisas como elas são, possa abrir novos caminhos para o diálogo doutrinário.
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CLARKE, John. Ill News from New England, or A Narrative of New-Englands Persecution. Londres, 1962.
CROSBY, Thomas. The History of the English Baptists, from the Reformation to the Beginning of the Reign of King George I. Londres, 1738.
HANNEN, Robert B. Historical Notes on the Name “Baptist”. American Baptist Quarterly, vol. 8, jan. 1965, pp. 62-71.
WHITE, B. R. The English baptists of the Seventeenth Century. Londres: The Baptist Historical Society, 1983.
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