Plantação das igrejas batistas na Irlanda e peroração de uma carta aos batistas londrinos

Ilhas são sempre um problema. A Irlanda, como se sabe, fica em uma dessas. Desde o século XII, normandos procuraram assegurar algum domínio sobre a Irlanda, e até o século XVII, com altos e baixos, houve uma relativa influência ou poderio real por parte dos britânicos sobre a ilha. Henrique VIII arrogou para si o título de “Rei da Irlanda” e buscou uma centralização de poder direto, um processo que levaria a uma guerra sangrenta durante o século XVII, quando Oliver Cromwell tornara-se Lorde Protetor da Inglaterra. A prática comum, em casos de rebelião na Irlanda, era o confisco de terras e o assentamento de colonos fieis ao monarca inglês.

Mas o que tudo isso tem a ver com os batistas? Segundo W. T. Whitley, em um desses reassentamentos, os batistas tiveram papel proeminente por meio do exército britânico:

A política regular no que concerne aos “rebeldes”, na Irlanda, contra reis Ingleses, Galeses e Escoceses, era confiscar a terra dos rebeldes e assentar novos colonos em seu lugar. Um dos mais amplos assentamentos se deu em 1652, sob autoridade de um Ato do rei e do parlamento de 1642, um dos últimos com os quais Carlos I concordou [antes de ser decapitado]. Na execução de suas determinações, os Batistas tiveram uma parte inesperada e tamanha que merece duplamente a nossa atenção.

[…]

O exército abundava de Batistas, tanto de fileira como de coluna. Entre os capitães, podem ser mencionados Baker, Bolton, Doyley, Draper, Heydon, Holcroft, Peter Rowe, Stopford e Wade. Entre os majores estavam Thomas Adams, Thomas Davis, William Moore, John Reade e Brian Smith. Havia ao menos três tenente-coroneis, Robert Doyley de Dalwood, em Devon, Thomas Throgmorton, William Walker. Os coroneis incluíam Daniel Axtell, Robert Barrow, Thomas Cooper, Richard Lawrence, William Leight, William Moore, John Nelson, Jerome Sankey. Havia também o Major-general Desborough, de Fenstanton, Batedor-mestre Henry Jones, o instrutor-mestre de cavalaria John Vernon e seu amigo do peito, Ajudante-geral William Allen. No lado civil do exército estavam o armazenador-chefe Clarke, Tesoureiro Richard Deane, Auditor-geral Edward Roberts, Advogado-geral Philip Carteret. Muito possivelmente, um exame cuidadoso das listas de inspeção poderiam revelar mais, mas esta lista é o bastante para mostrar que neste exército soberbo, que tinha tropas irmãs na Escócia e Inglaterra, havia um vasto número de Batistas muito influentes que haviam passado despercebidos do hábito de escrita das histórias eclesiásticas, como se somente ministros contassem.

The Plantation, pp. 276-277.

Não demorou para que esses batistas plantassem diversas igrejas Irlanda afora. Não eram poucos, inclusive, os membros ilustres da história batista que passaram pela ilha:

Descobrimos que, em meados do verão de 1653, havia dez igrejas Batistas, quase inteiramente de soldados, assentadas nos precintos militares. […] Quando lemos que a igreja em Kilkenny incluía os irmãos Blackwood, Caxe, Axtell, Gough e muitos outros, alguns podem até reconhecer o antigo clérigo de Kent, Christopher Blackwood, por muito tempo um capelão do exército que ajudou a fundar ou fundou Igrejas Batistas onde quer que seu regimento fosse; outros podem pensar que nós preenchemos, aqui, a lacuna no registro Inglês de Benjamin Cox, de Londres, Bedford, e Coventry; mas ninguém discerniu, sob a descrição democrática dos demais, o Coronel Daniel Axtell, que foi um dos poucos eximidos de perdão porque ele comandou os guardas no julgamento de Carlos [I], e o Coronel William Goffe, que assentou-se na banca e condenou Carlos [I], que comandou o regimento de Cromwell em Dunbar, que bateu o exército de Carlos II em Worcester, que teve que defender Berkshire, Sussex e Hants enquanto major-general, que foi feito um dos lords de Cromwell, que escapou na Restauração, viveu em Massachusetts e fez uma reaparição dramática em uma crise nas guerras Indianas.

Idem, p. 279-280.

*

A certa altura de sua obra histórica sobre os batistas, Joseph Ivemey se debruça sobre as igrejas batistas na Irlanda que começaram a ser plantadas por meio das tropas do New Model Army. Ivemey retira dos documentos de John Rippon uma listagem das igrejas Batistas na Irlanda, como se segue:

 

As Igrejas de Cristo na Irlanda, reunidas, residem nos diversos lugares seguintes: –

 

1. DUBLIN – Com quem estão os irmãos [Thomas] Patient, Law, Vernon, Roberts, Smith e diversos outros, que caminham confortavelmente juntos, pela graça.

2. WATERFORD – Com quem estão os irmãos Wade, Row, Boulton, Cawdron, Longdon, com diversos outros: a maioria daqueles que residem ali, cremos, estão em uma próspera condição em seu estado espiritual.

3. CLONMELL – Com quem estão os irmãos Charles e Draper, e às vezes [Thomas] Hutchinson e Bullock a assisti-los. Alguns outros irmãos estão espalhados em diversos outros lugares naquelas partes, que são recomendadas aos cuidados de nossos amigos em Clonmell, que é o mais próximo deles.

4. KILKENNY – Eles têm os irmãos Blackwood, Caxe, Axtell, Gough, com diversos outros, esperamos também que estejam em condição crescente e andando ordenadamente.

5. CORK – Com quem estão os irmãos [Thomas] Lamb, Coleman e diversos outros, que caminham ordenadamente juntos, embora em um lugar de muita oposição por tão delicado serem os caminhos do Senhor; com quem também estão em comunhão alguns amigos em Brand Kingsale e outras partes do interior.

6. LIMERICK – Com quem estão os irmãos Knight, Uzell, Skinner e alguns outros, que, tememos, estão em uma condição decadente por falta de irmãos hábeis para fortalecê-los; tendo estado fraco o irmão Knight, assim incapaz de estar muito com eles.

7. GALLOWAY – Tem os irmãos Clarke, Davis, &c., que, entendemos, andam ordenadamente mas têm poucos hábeis entre eles para edificar o corpo.

8. WEXFORD – E um grupo recentemente agremiado pelo irmão Blackwood, com quem estão os irmãos Tomlins, Hussey, Neale, Biggs, &c., que não têm muita ajuda entre eles, mas às vezes são visitados pelos amigos de Waterford.

9. No Norte, próximo a CARRICK FERGUS, há vários recentemente recebidos pelo irmão Reade, que foram batizados pelo irmão Patient, que, entendemos, são valiosos, mas carecem de alguns irmãos capazes para firmá-los.

10. KERRY – Onde estão alguns irmãos recebidos recentemente pelo irmão Dix, Velson [sic] e Browne: e o irmão Chawbers [sic] lhes dirige a palavra.¹ Desses, não temos muito conhecimento; mas ouvimos recentemente pelo irmão Chawbers que eles caminham ordenadamente. – Não sabemos de nenhum amigo em particular, espalhado pelo interior afora, mas que esteja comprometido com os lugares de alguns amigos próximos deles, o qual, esperamos, conquanto possa, delegará a eles o seu ofício.

Ivemey, History, vol. 1, pp. 240-241.

¹ Whitley, em texto já referenciado, nota que Ivemey transcreveu errado os nomes de Nelson e Chambers, da mesma forma como constam nos registros de John Rippon.

 

Um pouco mais tarde, Ivemey transcreve uma longa carta enviada por essas igrejas às igrejas batistas sediadas em Londres. A carta é bastante extensa e edificante em si, mas segue a tradução da última seção da carta, uma espécie de post scriptum, ou uma peroração que encerra o conjunto da obra. O texto vale como exemplo de piedade puritana e zelo fraternal entre as igrejas batistas do período, que buscavam, sempre que possível, caminhas conjuntamente em associações batistas.

*

AS igrejas de Cristo na Irlanda, andando na fé e ordem do evangelho, conjuntamente assentem, por meio do amparo divino, separar o primeiro quarto dia, chamado quarta-feira, de todos os meses, para solenemente buscar a face de nosso Deus; e, por meio de jejum e oração, humildemente lamentar diante dele pelas coisas que se seguem; as quais também são indicadas para nossos queridos amigos na Inglaterra e irmãos espalhados em diversos lugares, os quais obtiveram semelhante fé preciosa conosco.

  1. Nosso pouco conhecimento do, e ainda menor confiança no nome de nosso Deus em Cristo, de forma a dispô-lo para sempre diante de nossos olhos, para que possamos glorificá-lo, ambos, em nossos corpos e almas, os quais são dele, 1 Cor. vi. 20. Heb v.12.
  1. Nosso pouco amor sincero pelo Senhor e seu povo, e nosso pequeno conhecimento do ofício e lugar próprio de cada membro, como Deus o colocou no corpo de Cristo; a fim d que todo membro, em particular, possa agora efetivamente crescer, para a edificação do todo, 1 Cor xii.19, 20, 21, &c. Ef. iv. 16.
  1. Nossa pouca seriedade no buscar da palavra de Deus e no familiarizar-nos substancialmente com as verdades fundacionais ali reveladas, 2 Tim. iii. 15. 1 Pd. ii. 2. Rom. i. 16, 17.
  1. Nossa pouca fé nas grandes e preciosas promessas do Senhor, que deverão ser cumpridas nos últimos dias, Lucas xviii. 8. 2 Pd. i. 4.
  1. Nossa pouca prossecução rumo ao alvo para o prêmio do alto chamado de Deus em Cristo Jesus: e nossas afeições desordenadas pelas coisas terrenas, Lucas x. 40, 41. Fp. iii. 14. Col. iii. 1, 2.
  1. Nossa pouca oração e estado de espírito agradecido; em particular, por obreiros fieis na vinha do Senhor: e por todos aqueles que ele investiu de autoridade sobre nós, sob os quais tivemos muitas oportunidades de praticar a verdade que professamos, Mt ix. 37, 38. João xv. 4. Sl. xxii. 3. 1 Cor. ii. 4. 1 Tm. ii. 2. 1 Pd ii. 14. Is. ix. 7.
  1. Nosso pouco interesse pelos sofrimentos do povo de Deus, Lucas xviii. 7. Ap. xvii. 6.
  1. Nossa grande aptidão para esquecer as coisas que Deus fez por nós e abusar as muitas preciosas misericórdias que Deus tem multiplicado sobre nós.
  1. Nossa pouca conscientização das grandes fraturas que o Senhor causou entre nós, por retirar muitos justos dentre nós.
  1. Nossa falta de sabedoria espiritual para condenar o pecado francamente em todos, independentemente de quem seja, e para exortar fielmente, de maneira a calar os contendedores e não ofender injustamente a ninguém.
  1. Nosso pouco lamento pelo pecado, tanto em nós mesmos como em outros, Ez. ix. 4. Os. iv. 12.
  1. Nossa grande ignorância do engano de nossos corações, Jr. xvii. 9, 10.

Estas coisas, dentre muitas outras, devem ser motivos suficientes para o nosso prostrar-se diante do Senhor, para que ele possa nos erguer no tempo devido e prover todas as nossas carências de acordo com as suas riquezas na glória, por meio de Cristo Jesus, Tg iv. 3.9, 10. Fp. iv. 19.

 

*

IVEMEY, Joseph. A History of the English Baptists, vol. 1. Londres, 1811.

WHITLEY, W. T. The Plantation of Ireland and the Early Baptists Churches. Baptist Quarterly, 1.6 (Abril 1923), 276-281.

Uma resposta

  1. Pingback: Rastro de Água

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

the many-headed monster

the history of 'the unruly sort of clowns' and other early modern peculiarities

Sacred & Profane Love

Conversations about Art and Truth

Pactualista

Subscrevendo a Confissão de Fé Batista de 1689

Crawford Gribben

mainly on John Owen and J.N. Darby

Queens' Old Library Blog

Rare Books and Manuscripts at Queens' College - University of Cambridge, UK

Petty France

Ressourcing Baptistic Congregationalist and Particular Baptist History

Reformed Baptist Academic Press

Uma imersão em Patrística Batista

Contrast

The light shines in the darkness, and the darkness has not overcome it

IRBS Theological Seminary

Training Ministers to Preach the Gospel (2 Timothy 2:2)

HangarTeológico

Uma imersão em Patrística Batista

The Confessing Baptist

Uma imersão em Patrística Batista

Reformed Baptist Fellowship

Reformational, Calvinistic, Puritan, Covenantal, Baptist

Reformed Baptist Blog

Uma imersão em Patrística Batista

%d blogueiros gostam disto: