Considerando que o próprio termo “batista” não tem uma origem ou uso tão natural quanto se poderia supor, é também de se esperar que a identificação conceitual de um batista, i. e., o conjunto de ideias e práticas que definem um batista, seja igualmente labiríntica. John Tombes foi, talvez, o melhor exemplo disso. As narrativas tradicionais sobre o surgimento dos Batistas envolvem, sempre, a contextualização dos movimentos separatistas na Inglaterra. Mas será que o ser batista exigia, como força de necessidade, abraçar o separatismo? Tombes nunca deixou os quadros oficiais da Igreja Anglicana, embora atuasse em uma frente complementar, conduzindo uma congregação segundo doutrinas essencialmente batistas.
A narrativa que associa o separatismo ao movimento batista, para além das evidentes conexões históricas, é sugerida pelo próprio corpo doutrinário produzido pelas primeiras gerações de batistas. Tanto a 1CFL (Capítulo XXXVI) quanto a 2CFL (Capítulo XXVI) apresentam, como artigo de fé, uma visão eclesiológica congregacional, o que leva a crer que ser batista implica, necessariamente, ser congregacional. Não exatamente. Não no século XVII, pelo menos. Tombes é geralmente retratado como figura anômala, por bons motivos, mas é útil perceber que Benjamin Cox, Batista Particular de enorme importância, teve uma trajetória parecida com a de Tombes.
Thomas Edwards, notável puritano que se celebrizou por sua heresiografia Gangraena (1646), reservou porções generosas de sua obra para criticar Benjamin Cox. Um dos ângulos de ataque de Edwards foi salientar que Cox, enquanto ainda submisso à autoridade bispal anglicana, organizou em sua casa uma “igreja paroquial”. Ou seja, Coxe, clérigo ordenado na Igreja Anglicana, manteve por algum tempo, assim como Tombes, uma dupla frente de atuação: clérigo anglicano, de um lado, e ministro de uma congregação à parte, de outro. A única diferença entre ambos é que Cox eventualmente rompeu com a igreja oficial, diferentemente de Tombes. Em um breve tratado de 1646, Cox respondeu a Edwards dizendo:
Segue-se, no seu livro, “Que contra a vontade do Bispo de Exeter, Doutor Hall, seu Diocesiano¹ trouxe inovações para dentro de sua Igreja Paroquial”. Isso é tão verdade quanto o resto de suas calúnias.
[…]
E embora seja provável que [o Bispo]² Hall não tenha gostado de algumas dessas coisas, ou que parece que não [teria] gostado delas, se as tivesse reparado; ainda assim [?] ele nunca me censurou por nenhuma [dessas] coisas, nem por qualquer outra coisa, até onde eu lembro, exceto apenas [a] pregação de que o Prelado Episcopal era uma tradição Humana, pela qual ele de fato ficou extremamente descontente.¹ Isto é, Benjamin Cox.
² Este parágrafo do texto está ilegível no microfilme. As palavras entre colchetes são tentativas de completar as sentenças propriamente. Nas ocasiões em que a palavra ou a frase ficaria excessivamente comprometida, optei por suprimi-la completamente.
An after-reckoning, pp. 5-6.
P. J. Anderson salienta a complexidade do caso Tombes – e de outros, eu diria – da seguinte forma:
As convicções eclesiológicas de John Tomes (1603?-1676) frequentemente se mostraram problemáticas para historiadores do período. W. T. Whitley, por exemplo, considerou Tombes “de longe, o mais culto Batista daquela era”, mas alguém que “nunca se alinhou com as igrejas e ministros Batistas”. Christopher Hill observou que, embora Tombes fosse doutrinariamente um Batista, “historiadores da denominação”¹ têm sido relutantes em reivindicá-lo. Enquanto o Dr. Hill possa ter representado inadequadamente a forma pela qual a maioria dos historiadores Batistas consideraram Tombes, ainda assim, tais afirmações deixam claro que Tombes não foi um ministro Batista típico das [décadas de] 1640 e 1650, se é que tal estereótipo existiu.
¹ Literalmente, “historiadores da seita”. Considere-se, entretanto, que o termo “sect” em inglês não assume, necessariamente, a significância pejorativa da língua portuguesa. O sentido do termo usado por Hill é somente referir-se ao “grupo” dos Batistas.
Letters, p. 33.
A discussão, parece, gira em torno do imperativo congregacional. Se considerarmos que a identidade batista deriva de uma teologia dos sacramentos, é natural arrolar Tombes na paleta de Batistas do século XVII. Mas se, como creio, as convicções batistas derivam de uma reflexão eclesiológica, torna-se bem mais difícil trazer Tombes para o seio dos Batistas. É evidente, entretanto, que isso não impede que desfrutemos de sua teologia sacramental, especialmente no que concerne à rejeição do batismo infantil.
Um Breve Catecismo Sobre Batismo (1659)
Voltemo-nos, portanto, para uma segunda parte do Breve Catecismo Sobre Batismo, de Tombes.
Perg. 11. Quem é indicado para batizar?
Resp. Aqueles que são indicados para pregar o Evangelho, Mt. 18. 19 Mc 16. 15, 16.
Perg. 12. A quem eles são indicados para batizar?
Resp. Aqueles que se arrependem do pecado, creem em Cristo Jesus e são seus Discípulos, Mt. 28.19 Mc 16.16. Atos 2.38. Atos 8.37.
Perg. 13. Crianças não foram Batizadas, quando agregados inteiros foram Batizados, Atos 16. 15.33.?
Resp. Não; Pois não parece que havia quaisquer Crianças nas casas, e o texto mostra que eles não foram Batizados, já que a palavra foi pregada para todos na casa, v. 32. e toda a casa regozijou-se crendo em Deus, v. 34. e alhures diz-se que toda a casa fez o que Crianças não podem fazer, Atos 18.8, Atos 10.2. 1 Cor. 16.15. comparado com 1 Cor. 1.16. João 4.53.
Perg. 14. O discurso e ação de Cristo para com as crianças, Mt 19.14,15. Marcos 10.14,15,16. Lucas 18.16,17. não é uma autorização para Batizar Crianças?
Resp. Não, mas sim um argumento contra isso, já que Cristo nem Batizou, nem indicou aquelas pequenas crianças para serem Batizadas.
Perg. 15. Por que as Crianças não deveriam ser Batizadas, já que elas eram Circuncidadas?
Resp. A razão pela qual Homens Infantes deveriam ser Circuncidados era uma ordem particular de Deus à casa de Abraão para fins especiais, concernentes ao período antes de Cristo, os quais o Batismo não possui, tampouco há qualquer ordem para usar o Batismo segundo a regra da Circuncisão.
Perg. 16. O Batismo não entrou no lugar da Circuncisão, Col. 2. 11, 12. e, assim, para ser usado como ela era?
Resp. As palavras dos Apóstolos não implicam que nosso Batismo tomou o lugar da Circuncisão dos Judeus, não há nenhuma menção de qualquer Circuncisão física senão a de Cristo, a qual nosso Batismo não pode pretender suceder, já que ali se faz causa da Circuncisão Espiritual, sem arrogar-se aquilo que pertence a Cristo somente, e o Batismo é mencionado com fé, como meio pelo qual estamos em Cristo e nele completos.
Perg. 17. Podemos nos dizer completos como os Judeus, sem o batismo infantil?
Resp. Nossa completude reside em que não temos ordenanças como os Judeus tinham, mas somos completos em tendo tudo em Cristo sem elas, Col. 2.8,9,10.
Perg. 18. Nossas crianças não têm, então, menos benefícios do que os Judeus tinham?
Resp. No, pois a circuncisão foi um benefícios apenas por um período, e comparativamente à condição dos Gentios que não conheciam a Deus, mas em si mesmo era um jugo pesado, Atos 15.10. Gal. 5.1,2,3.
Perg. 19. Por os Judeus, então, disputavam tanto por ela, Atos 15.1.5. [?]
Resp. Porque eles também estimavam muito a Lei, e não sabiam de sua liberdade pelo evangelho.
Perg. 20. Não teria sido um desconforto para os Judeus crentes não ter suas crianças batizadas, e portanto [tê-las] fora da Aliança?
Resp. A ausência de Batismo para Infantes nunca foi ofensa para crentes no Novo Testamento, tampouco foram elas por isso colocadas fora da Aliança da graça.(…)
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ANDERSON, Philip J. “Letters of Henry Jessey and John Tombes to the Churches of New England, 1645”. Baptist Quarterly, 28.1 (Janeiro 1979): 30-39.
COX, Benjamin. An after-reckoning with Mr. Edwards. Londres, 1646.
TOMBES, John. A Short Catechism About Baptism. Londres, 1659.