No primeiro artigo da série sobre John Tombes, acompanhamo-no de seu nascimento, em Bewdley, ao seu retorno à terra natal. No segundo artigo, discutimos a duplicidade eclesiástica presente em figuras importantes do século XVII, como Benjamin Cox e John Tombes, que, ao voltar à Bewdley, pastoreou uma igreja separatista mesmo atuando, ainda, na igreja oficial. Agora, veremos Tombes buscando a estabilidade financeira e se engajando em uma importante controvérsia com Richard Baxter, tema que será melhor explorado no artigo final desta série.
O Batista de Bewdley
A. J. Klaiber oferece um bom resumo da trajetória de Tombes até aqui:
[…]. A igreja de Bewdley, entretanto, deveu sua fundação a um nativo da cidade, um certo John Tombes, filho de pais pobres que, após passar pela escola local de gramática, ingressou no Magdalen College, Oxford, aos quinze anos. Aos vinte e um, ele foi escolhido pregador catequético público. Ele se tornou vigário de Leominster, mas fugiu para Bristol quando da eclosão da Guerra Civil. Depois da tomada de Bristol pelos Realistas, ele fugiu para Londres e foi indicado ministro em Fenchurch. Aqui, ele se recusou a permitir o batismo de bebês em sua igreja e foi, consequentemente, privado de seu estipêndio. Sob promessa de não introduzir a controvérsia batismal no púlpito, ele foi feito pregador de Temple, mas em 1645 foi demitido por publicar seu primeiro tratado sobre batismo infantil. Em 1646 ele retornou a Bewdley e foi escolhido ministro da capela de St. Anne, uma chapel of ease¹ de Ribbesford, onde ele não seria obrigado a cristianizar.² Aqui, ele publicou seu Apology for the Two Treatises on Infant Baptism, no qual ele escreve que “precisa dizer que igrejas que não tem nenhum outro Batismo senão o de Infantes, não são igrejas verdadeiras, nem seus membros, membros da igreja.” Ele então fundou uma igreja Batista separatista na cidade, contando com vinte membros, enquanto continuou a exercer a curadoria da capela de St. Anne. Todas as igrejas fundadas por Tombes foram, acredita-se, do tipo de comunhão aberta.
Baptists at Bewdley, pp. 116-117.
¹ Vf. definição de “chapel of ease” na n.5 do primeiro artigo.
² i. e., batizar.
Recuperemos desse ponto, então, o breve esquema biográfico traçado por Michael Renihan.
Enquanto esteve em Bewdley, surgiu e floresceu uma amizade com o jovem Richard Baxter. Eles pregavam nos púlpitos um do outro, a cada quinze dias, um sermão em dias de semana. Kidderminster e Bewdley ficavam a um bom bocado de milhas distantes entre si. Houve um rusga entre os dois quando Baxter fez uma aplicação, em um sermão, sobre o batismo infantil. Cartas, discussões e uma controvérsia se seguiu. Em 01 de janeiro, 1649/50¹, esses dois campeões organizaram um dia inteiro de debate sobre a questão dos aptos ao batismo.
A controvérsia com Baxter trouxe [a Tombes] uma grande alienação do afeto dos citadinos. Tombes seguiu para outra posição onde ele poderia trabalhar como um homem de Deus sem violar sua consciência por meio do batismo de bebês. Ele foi para um outro posto não paroquial, como Mestre do Hospital em Ledbury. Ele foi desligado pela Capelania de Bewdley e então restaurou os dividendos de Leominster.
Em 1653, Tombes, um conhecido antipedobatista, recebeu o favor do Protetorado. Ele foi nomeado um trier sob o Lord Protetor, Oliver Cromwell. Um trier era um ministro que testava ou colocava à prova a adequação de outros ministros na medida em que eles buscavam ser indicados ou eleitos aos púlpitos. Essa era uma posição, religiosa e politicamente, de grande prestígio. Era reservada para homens de respeito e de algum reconhecimento em divindades. Fala muito sobre o caráter e o conhecimento de um homem como Tombes.
Foi durante a Restauração da Monarquia – ou da Grande Ejeção de 1662, dependendo das simpatias políticas do dia – que Tombes estabeleceu suas provisões para sempre. Ele abjurou de sua ordenação, já que ele não conseguiria, em sã consciência, aceitar o Assentamento Anglicano.² Tombes mudou para Salisbury já viúvo. Ele conheceu e se casou com Elizabeth Combs, uma viúva de alguma posse. Enquanto viveu ali, ele frequentou a St. Edmonds Church. Em 1672, sua casa foi identificada como um “Local de Encontro Presbiteriano” (Presbyterian Meeting Place), pelo segundo dos Conventicles Acts.³ Neste caso, “Presbiteriano” era meramente um sinônimo para não-conformista.
Antipaedobaptism, pp. 129-130.
¹ As datas duplicadas referem-se às datações Old Style (O.S.) e New Style (N.S.), denotações que surgiram após a definição do dia 01 de janeiro como marco inicial do calendário anual e, eventualmente, à adoção do Calendário Gregoriano. Considerando-se, por exemplo, que o ano se inicia a 01 de janeiro, a data seria 1650, considerando-se, entretanto, 25 de março como início do ano, como determina O.S., 01 de janeiro seria ainda 1649.
² “Anglican Settlement”, ou, mais comumente, “Elizabethan Settlement”, é o nome dado à política de condução da igreja e do estado britânicos após a ascensão de Elizabeth I. Ele é composto, basicamente, por dois conjuntos de leis: o Ato de Supremacia, de 1558, e o Ato de Uniformidade, de 1559. O primeiro assegurava à Igreja da Inglaterra sua modalidade Episcopal e o segundo dispunha sobre a organização litúrgica da igreja, reintroduzindo o Book of Common Prayer de 1552.
³ Os Conventicles Acts (1593, 1664, 1670) discriminavam o enquadramento de qualquer reunião como sendo um local de não-conformidade, isto é, de culto paralelo à igreja oficial. Os “Conventicles”, lugares de reuniões de protestantes puritanos ou separatistas, eram identificados e seus pregadores ficavam sujeitos a multas cumulativas, podendo resultar em prisões.
Um Breve Catecismo Sobre Batismo (1659)
Voltemo-nos agora à terceira parte do catecismo de Tombes, que se debruça de forma mais específica sobre o tradicional paralelo, muito defendido pelos pedobatistas, entre a circuncisão e o batismo.
Observação
Haja vista a linguagem sinuosa e de difícil apreensão do texto original, uma versão completa do Catecismo em linguagem mais fluida e moderna está sendo preparada. Por ora, segue a versão literal, o mais fiel possível ao texto original.
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Perg. 21. A razão adequada para a Circuncisão de infantes de Judeus não era a participação que eles tinham na Aliança com Abraão, Gen. 17.7. de ser um Deus para ele e sua descendência?
Resp. A finalidade da Circuncisão era, de fato, ser um símbolo de toda a Aliança feita com Abraão, Gen. 17. 4, 5, 6, 7, 8. não apenas a promessa, ver. 7. Mas a razão formal própria distintiva do porquê alguns deveriam ser Circuncidados, e outros não, era o Mandamento apenas, não a participação na Aliança; já que Ismael, que não era um filho da promessa, Gen. 17. 20, 21. Rom. 9. 6, 7, 8, 9. e aqueles que estavam na casa de Abraão, embora não fossem de sua descendência, foram Circuncidados, mas nenhuma Mulher, nem Homens abaixo de oito dias de idade [foram circuncidados].
Perg. 22. A Aliança com Abraão, Gen. 17. não foi a Aliança da graça [sic]?
Resp. Foi, segundo o propósito oculto do Espírito Santo, a Aliança Evangélica, Gal. 3. 16. Mas, conforme o sentido aberto das palavras, uma Aliança de Especial benefícios à posteridade natural herdeira de Abraão, e, portanto, não uma Aliança do puro evangelho.
Perg. 23. Os filhos de crentes não estão compreendidos debaixo da promessa, ser um Deus para Abraão e sua descendência? Gen. 17.7.
Resp. Não, a menos que eles se tornem descendência de Abraão segundo a Eleição da graça pela fé.
Perg. 24. A Circuncisão selou a aliança do Evangelho? Rom. 4.11.
Resp. Aquele texto não fala da Circuncisão de qualquer um, mas da de Abraão, que selou a justiça da fé que ele tinha antes da Circuncisão, e assegurou, assim, a justiça para todos que viessem a crer como ele, ainda que incircuncisos.
Perg. 25. Os Sacramentos da Igreja Cristã não são, em sua natureza, selos da Aliança da graça [sic]?
Resp. As Escrituras em nenhum lugar os chamam assim, tampouco menciona isso como seu fim e uso.
Perg. 26. Pedro não exorta, Atos 2.38, 39. os Judeus a Batizarem a si e seus filhos, porque a promessa da graça é para crentes e seus filhos?
Resp. Aqueles com os quais ele falou não eram então crentes, e portanto as palavras, Atos 2.39 não podem ser entendidas como uma promessa para crentes e seus filhos enquanto tais, mas as promessas para todos, pais e filhos, quantos chamados de Deus: tampouco qualquer um é exortado a Batizar sem arrependimento anterior, nem é a promessa alegada como [se] conferindo direito ao Batismo, mas como um motivo de encorajá-los à esperança pelo perdão, embora eles quisessem o sangue de Cristo sobre eles e seus filhos, Mat. 27.25. De forma semelhante como fez José, Gen. 50. 19, 20, 21.
Perg. 27. Os filhos de crentes não são santos pela santidade da aliança, e assim devendo ser Batizados[?] 1 Cor. 7.14
Resp. Não há nada ali atribuído à fé do crente, mas à relação marital, que era a única razão de sua vivência legal em conjunto, e somente pela qual é verdade que todos os filhos daqueles pais, de quem um é santificado pelo outro, são santos, o resto [sendo] impuros, isto é, ilegítimos.
Perg. 28. Os filhos de Gentios crentes não devem ser enxertados pelo Batismo com seus pais, assim como os filhos de Judeus o eram pela Circuncisão? Rom. 11. 16, 17.
Resp. O enxertar se dá pela concessão da Fé segundo a Eleição, e portanto não da parte de pais e filhos por uma Ordenança externa, Igreja visível adentro.
Perg. 29. Os Infantes de Discípulos crentes, pela fé de seus Pais, não devem ser batizados? Mt. 28.19. Atos 15.10.
Resp.: Não: Pois Discípulos são aqueles feitos somente pela pregação do Evangelho a eles, tampouco qualquer é um nomeado Discípulo, senão aqueles que escutaram e aprenderam: e o colocar do jugo, Atos 15.10. era somente pelos irmãos que ensinavam, ver. 1. e, portanto, os Discípulos, vers. 10., não Infantes.
Perg. 30. Infantes de crentes não são membros da Igreja Cristã, por uma lei e ordenança, pela promessa de Deus, para ser Deus para eles e sua descendência, e [por] preceito não revogado para dedicá-los a Deus?
Resp. Não existe tal ordenança ou lei exibida nas Escrituras ou dedutíveis da lei da natureza, nem são os Infantes em qualquer parte reconhecidos como membros da Igreja Cristã no Novo Testamento.
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KLAIBER, A. J. Baptists at Bewdley, 1649-1949. Baptist Quarterly, 13.3 (julho 1949), pp. 125-132.
RENIHAN, Michael T. The Antipaedobaptism of John Tombes. In: BARCELLOS, Richard (ed.). Recovering a Covenantal Heritage: Essays in Baptist Covenant Theology. Palmdale: RBAP, 2014.
TOMBES, John. A Short Catechism About Baptism. Londres, 1659.