Nota: O presente artigo estava bem encaminhado antes que eu tivesse tomado conhecimento da leitura de Matthew Bingham, em Orthodox Radicals, acerca do documento aqui tratado. Ao me deparar com seus argumentos, entretanto, julguei oportuno reestruturar o texto para promover alguma interação com a obra.
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Matthew Bingham e a morte dos “Batistas”
Em seu mais recente livro, Orthodox Radicals, Matthew Bingham se põe a criticar amplamente os conceitos de “Batistas Particulares”, “Batistas Gerais” e, consequentemente, até mesmo de “Batistas”. Segundo ele, aqueles que hoje nós chamamos de Batistas “Gerais” ou “Particulares”, não se percebiam enquanto tais à época, isto é, eram desprovidos de uma autoconsciência de identidade “Batista”.
Quando historiadores rotulam inadequadamente grupos religiosos historicamente situados, eles “formulam presunções teleológicas sobre padrões de desenvolvimento, sanitarizando condições de desordem e incerteza e obscurecendo indicadores de caminhos não tomados”. Ao adotar, de forma muito casual, o esquema de Batistas Gerais e Particulares e, então, ler as evidências sob essa ótica, arriscamos não compreender os grupos religiosos reais aos quais esses rótulos se referem. Mais premente ainda, ao assumir, a priori, que os separatistas batistas que emergiram do círculo de Jessey se enquadravam confortavelmente sob o rótulo de “Batistas Particulares”, nós inapropriadamente os unimos aos ditos Batistas Gerais. Pois falar em Batistas Gerais e Particulares é assumir alguma espécia de identidade “Batista” abrangente que pode ser significativamente aplicada a ambos os grupos, mas os registros históricos não sustentam essa suposição.
Orthodox Radicals, p. 18.
Bingham defende, portanto, que não é possível falar em uma identidade “Batista” no século XVII. Os grupos chamados de Gerais e Particulares possuem diferenças de tal magnitude que impugnam qualquer tentativa de representá-los de forma conjunta. A rigor, Bingham entende que o próprio termo “Batista” deve ser dissociado desses grupos. Segundo ele, as raras instâncias de cooperação ou parceria entre os grupos considerados “batistas” podem ser negligenciadas justamente por serem raras e circunstanciais. Aqui, nos chama atenção o primeiro – e talvez mais substancial – exemplo da relação entre Gerais e Particulares que Bingham pretende descartar:
Simplesmente não há nenhum argumento positivo a ser elaborado em favor de qualquer diálogo significativo, interação, parceria ou até mesmo debate entre os separatistas batistas de meados do século XVII com diferentes convicções soteriológicas. A eflorescência de impressos do período parece ter produzido somente um texto significativo co-escrito por proeminentes Batistas Gerais e Particulares, e este caso excepcional não ocorreu antes de 1660/1661. Ademais, o documento foi escrito em resposta direta a uma tentativa de golpe conduzida por Thomas Venner e foi claramente provocada por necessidade política, e não por um autêntico desejo de concordância teológica ou eclesiástica.
Idem, pp.18-19.
O documento citado por Bingham é A Humilde Defesa redigida por William Kiffin e assinada por diversos ministros batistas. Vejamos se Bingham tem razão em sua leitura desse texto. Este artigo procede da seguinte forma: a) uma exposição do contexto e da natureza da rebelião de Thomas Venner; b) uma apreciação da reação batista ao evento, acompanhado de uma tradução da Humilde Defesa; c) uma crítica à apreciação de Matthew Bingham.
Inglaterra: Guerra Civil, liberdade religiosa e a rebelião de Thomas Venner
As Guerras Civis Inglesas, iniciadas na década de 1640 e pacificadas em 1660, com a Restauração da Monarquia britânica, ofereceram ocasião para que diversos grupos radicais florescessem, contanto que prestassem lealdade política ao Parlamento. Não por acaso, o exército parlamentar, o New Model Army, foi uma seara prolífica de radicalismos político-religiosos – e de heresias. O período republicano (1649-1658), em especial, sob o comando de Oliver Cromwell, criou um ambiente propício para a difusão das ideias e das igrejas batistas, fosse por meio das lideranças do exército inglês, fosse através de homens influentes na alta burocracia governamental.
Tudo isso mudaria a partir de 1558, com a morte de Cromwell e o afastamento de seu filho, Richard, o desastroso. Ensaiou-se, então, uma breve conjuntura que favoreceria um presbiterianismo rigoroso, mas o projeto foi rapidamente abortado. Em 1660, a Monarquia reassumiu seu posto e uma nova reviravolta teve lugar. Carlos II, à semelhança de seu pai, investiu no modelo anglicano de igreja devido à facilidade de governá-lo e controlá-lo, sujeitando-o visivelmente aos seus interesses políticos. Entretanto, a restauração da Monarquia após quase vinte anos de disseminação sectária – e radical, em muitos casos – jamais poderia ter sido pacífica. Um importante e difuso movimento político-religioso se alastrou pela Inglaterra no período, tendo o exército como epicentro. Trata-se dos Quintomonarquistas, ou Fifth-Monarchy Men.
No bojo do conjunto de crenças dos Quintomonarquistas estava um profundo milenarismo, uma crença inabalável de que o reino terreno e visível de Cristo estava próximo. Baseados na visão de Nabucudonosor revelada a Daniel (especialmente Dn 2, mas também Dn 7), entendiam que os quatro reinos já haviam se cumprido na terra, restando apenas o quinto reino, a quinta monarquia, que seria o reinado de Cristo. Alguns dos quintomonarquistas associavam o ano de 1666, que estava próximo, aos eventos escatológicos ligados à instauração do governo de Jesus na terra. Via de regra, os movimentos milenaristas da primeira modernidade entendiam que Cristo governaria a partir de uma cidade sagrada e santa, e que, portanto, era sua função instaurar uma teocracia e promover as reformas de maneira a preparar o caminho de Cristo. Em 1660/61, um grupo de Quintomonarquistas liderado por Thomas Venner decidiu tomar Londres de assalto e implementar suas ideias.
Edward Hyde, mais conhecido por seu título Earl of Clarendon, foi o notável Lorde Chanceler de Carlos II no período da Restauração e é comumente lembrado por sua The History of the Rebellion, uma história da Guerra Civil Inglesa. Sua atuação era mais a de um historiógrafo oficial do que de um historiador, isto é, colocava seus dotes investigativos a serviço da monarquia, portanto é fácil visualizar sua fidelidade ideológica. Em outra de suas obras, The History of England, during the reigns of the royal house of Stuart, esta muito mais contemporânea ao seu ofício, Clarendon faz uma avaliação muito apropriada, para seu posto e seu gosto, da rebelião de Venner:
Quando nós retornarmos à Inglaterra, havemos de ver que uma parcela de homens loucos se reuniu em Londres com uma extravagante imaginação de que eles poderiam conseguir derrubar o Governo ao lutar dois contra dez mil. Há tanto Abuso das Escrituras nos relatos desta Insurreição que eu não ouso repeti-lo. O chefe dessa turba entusiástica foi um tal Venner, que tem sido um louco barulhento Quinto-Monarquista [desde] os Tempos de Cromwell. Se Oliver [Cromwell] tivesse mandado ele e seus Seguidores para Bedlam, teria feito um Ato de Caridade. Esses comparsas tinham certas frases escriturísticas em suas bocas, as quais eles repetiam, como o Porteiro de Oliver costumava fazer no mesmo hospital: Rei Jesus, Poderes da Terra, Reis em Correntes, Nobres em Grilhões, Um persegue Milhares, Detentores dos Portões, Assobios e Maldições, Gideão, Daniel e as Revelações, cativos do Cativeiro. […] Sir Richard Browne, o prudente e vigilante Senhor Prefeito, destacou um corpo de Milícia para colocar um fim à Guerra. Venner, o tanoeiro de vinhos, além do exército de palavras mencionado acima, tinha quarenta ou cinquenta comparsas com ele, em tanto juízo quanto ele; estes derrotaram as tropas do Senhor Prefeito, mas em sequência foram eles mesmos derrotados e sua guarnição tomada, como consta em Echard. Era uma cervejaria próxima a Cripplegate, e o Coronel Cox seguiu um caminho eficaz para tomá-la. Ele cercou a Casa e ordenou que ela fosse destelhada por cima, por meio de que seus soldados poderiam atirar de cima para baixo na guarnição, que estava estabelecida no sótão. Ao mesmo tempo, uma outra parte dos soldados do coronel ocuparam as escadas, derrubaram a porta e entraram no sótão. Seis dos rebeldes foram mortos antes, outro [um] quarto resistente deles foi derrubado, e então mortos com tiros de mosquete. O resto da guarnição foi tomada como prisioneiros, assim como Venner, Hodgkins, Gowler, Allen, Pym, Ashton, Prichard, Fall, Hopkins, Wells e outros, dos quais cerca de dezesseis foram enforcados em Tyburn. O Arcebispo e outro reverendo historiador, e outros tais escritores de história, aproveitam ao máximo desta Grande Rebelião, com propósito de difamar os Não-conformistas, como se eles a tivessem encorajado e estivessem conspirando fazer o mesmo. Portanto, é dito que Venner mantinha um Conventicle, Venner marchou de uma Meeting-house, Venner foi enforcado junto a sua Meeting-house, a conspiração de Venner justificou a Proclamação proibindo encontros ilegais sob a desculpa de Adoração Religiosa! Eis que começa, as felicidades dos tempos estão desabrochando e os reverendos historiadores se regozijam nas esperanças de uma rica colheira.
The History of England, p. 494
A Reação Batista
Para os batistas, era preciso distanciar-se da insurreição de Venner. Uma vez que eclodisse uma rebelião envolvendo, ao menos aparentemente, homens de inclinação batista, os olhos da Monarquia se voltariam para eles, colocando em xeque sua sobrevivência enquanto movimento. A solução encontrada pelos principais ministros batistas do período foi a publicação de uma Apology, isto é, uma Defesa de suas ideias e práticas. A obra foi redigida por William Kiffin, mas subscrita por homens de peso, tanto entre os Batistas Particulares quanto entre os Batistas Gerais. Destacam-se, entre eles, John Gosnold, John Spilsbury, Christopher Blackwood, Thomas Lambe, Henry Denne, Thomas Cooper e outros. Trata-se, assim, de um importante documento que reflete o consenso batista sobre o respeito às autoridades civis. Este episódio, em especial, foi capaz de unir os Batistas Particulares e os Gerais em torno de um tema comum.
A argumentação da defesa consiste em três movimentos fundamentais: 1. Uma distinção entre o radicalismo anabatista alemão, especialmente münsterita, e a disposição dos batistas ingleses; 2. Um afastamento dos valores batistas do grupo específico que promoveu a rebelião; 3. Uma separação entre a teologia sacramental dos batistas e sua teologia política. Em um primeiro momento, os batistas argumentam que erroneamente são chamados de anabatistas, embora abominem o título e suas práticas, e criticam aqueles que se aproveitam da semântica dos termos para condenar o movimento batista; Em um segundo momento, fazem questão de registrar que todos os envolvidos na revolta, exceto um deles, eram convictos do batismo infantil, o que, por si, implode a lógica de causa e consequência entre os valores batistas e o radicalismo político; finalmente, insistem que nenhuma relação causal pode honestamente ser traçada entre as convicções batistas sobre o sacramento batismal e a desobediência civil.
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“A Humilde Defesa”
A Humilde Defesa de alguns, comumente chamados Anabatistas, em nome de si mesmos e outros do mesmo Juízo que eles, com seu Protesto contra a recente, ímpia e terrível, traiçoeira Insurreição e Rebelião encenada na City de Londres: juntamente com uma Defesa anteriormente apresentada à mais Excelente Majestade do Rei.
Nós seríamos estúpidos e insensatos se não nos ressentíssemos profundamente daquelas negras desonras e descréditos lançados sobre aqueles de nossa profissão e prática a respeito do Batismo, por ocasião da última e sumamente horrenda Traição e Rebelião nesta Cidade de Londres.
Tristemente vemos e sentimos que, entre muitos, tornou-se o bastante que um homem seja criminoso para chamá-lo de Anabatista, ou pelo menos [servir como] um fundamento suficiente para questionar sua Lealdade e fidelidade à Majestade, o Rei.
Não podemos, portanto, ser tão negligentes de nosso dever para com Deus a respeito de nossa profissão, ou para conosco mesmos e [nossas] famílias, de sorte a tolerar silenciosamente que nossos nomes e profissões sejam enterrados sob despropositadas infâmias: tampouco podemos ser tão faltosos em nosso dever para com nosso Rei, de sorte a, por taciturno silêncio, oferecer a sua Majestade ocasião justa para sentir-se despeitado e desconfiado de nossa Lealdade e Obediência, ou deixá-lo sem toda a segurança racional possível de nossa humilde sujeição e fidelidade a ele. Nós reconhecemos que as Histórias da Alemanha relatam as coisas mais terríveis das opiniões e práticas ímpias, destrutivas para todo o Governo e Sociedade humana, de alguns reputados por Anabatistas. Entretanto, há de se considerar o que Cassander, um Papista erudito e moderado, relata em sua Epístola ao Duque de Gulick e Cleve a este propósito – Que houve certas pessoas na Alemanha, portando a denominação de Anabatistas, que resistiram e se opuseram às opiniões e práticas daqueles de Munster [sic], e ensinaram uma Doutrina contrária, pelo que (em sua opinião) eles pareciam ser incitados por um pensamento Santo, e se fizeram mais dignos de piedade do que de perseguição e perdição. E que, na Holanda, aqueles que o sucederam em Doutrina e prática aderem aos mesmos princípios pacíficos, [isto] é publicamente sabido. Mas o zelo extraviado de alguns (ajuizados senão na questão do Batismo) frequentemente, embora inadequadamente, imputou tais opiniões ímpias, modelos e intenções, a todos os que são chamados por aquele nome; ainda que suas almas detestem a simples memória de tais doutrinas ímpias e suas consequências sanguinárias. Que tais opiniões e práticas malignas não são naturais ou necessárias, concomitantes ou consequentes, à Doutrina sobre o Batismo, nem a qualquer possível conexão com ela, é fácil de ser discernido; contudo, por tal erro nós agora sofremos de ressentimentos, devido à ímpia Traição, Rebelião e Assassinato de umas poucas pessoas violentas e destemperadas, que buscavam introduzir um reinado Civil e temporal do Governo de Jesus Cristo por meio de suas espadas e subverter toda a Autoridade e Governo Civil.
Entretanto, nós não conseguimos imaginar uma razão pela qual seus princípios sanguinários e ações trágicas deveriam se refletir sobre aqueles de nossa convicção, tais pessoas não sendo de nossa crença ou prática acerca do Batismo, antes, até onde sabemos, eles eram todos (exceto um) convictos do Batismo Infantil, e nunca tiveram comunhão conosco em nossas Assembleias; tampouco houve qualquer correspondência ou conversação entre nós: mas, pelo contrário, em suas Reuniões eles vociferaram amargamente contra nós, como [se fôssemos] adoradores da Besta, por causa da nossa constante declaração contra suas concebidas interpretações brutas sobre as Profecias obscuras e impulsos entusiastas; e professamos e praticamos nosso dever de sujeição à Magistratura Civil.
E é notoriamente sabido que as mesmas pessoas, ou pelo menos os Líderes e a maioria deles, anteriormente apresentaram seu pretenso Padrão de Jesus Cristo tanto contra nós como contra quaisquer outros. E isso é tão publicamente conhecido que mesmo nesta sua Rebelião, aqueles dentre nós que foram ali chamados (o que foram muitos) estavam prontos para arriscar nossas [sic] vidas para suprimi-los.
E se tal constante e contínua oposição contra os princípios e práticas ímpias dessas pessoas, tanto em nossas Doutrina e Vidas, não seja reputada uma evidência prenha e cogente de nossa imaculada inocência de sua Traição e Rebelião, e convencer a todo homem de que nossas Almas nunca participaram de seus segredos, nós podemos apenas apelar ao Deus Onisciente, o Juiz de toda a terra, para nos defender em seu julgamento justo, o qual nós estamos certos de que julgará e tornará justo. Em sua presença nós Manifestamos que nem tínhamos o menor conhecimento prévio da dita recente Traiçoeira Insurreição, nem qualquer um de nós, em qualquer espécie ou grau que seja, direta ou indiretamente, maquinou, promoveu, auxiliou, incitou ou aprovou a mesma: mas nós reputamos ser nossa obrigação a Deus, para com sua Majestade e para com nosso Próximo, não apenas ser obediente, mas também usar de nossas máxima diligência para prevenir todas tais Traições, Assassinatos e Rebeliões; e usar, em todas as nossas Assembleias, orações e súplicas constantes por sua Majestade.
Por conseguinte, nós humildemente suplicamos a sua Majestade, e o desejamos de todos os nossos súditos companheiros, que nossas Ações, Doutrinas e Vidas possam ser as únicas lentes pelas quais eles observarão nossos corações e tecerão juízo sobre nós, e que os princípios e opiniões de outros, seja neste ou em Reinos estrangeiros, não sejam imputados a nós, quando nossas Doutrinas e Vidas declaram nossa abominação deles: Crendo nós que o próprio Jesus Cristo, seus Apóstolos e a Religião Cristã harmonizavam-se com e obedeciam ao Governo Imperial que então estava no Mundo, e que nós devemos obedecer sua Majestade não apenas por ira, mas por motivos de consciência.
Nós desejamos, portanto, que possa ser considerado, sem preconceito, se nossa persuasão na questão do Batismo tem alguma conexão com essas Doutrinas contra o Governo. Ou se essas podem ser as prováveis consequências ou inferências de nossa doutrina concernente ao Batismo. E nós oramos para que possa ser seriamente considerado se acaso é racional, justo ou Cristão, imputar todos os erros e perversidade, de qualquer Seita de Cristãos em um período ou País, às pessoas de outro período e País, chamadas pelo nome dos primeiros, especialmente quando esses erros e perversidades não deram o nome à Seita (como em nosso caso), nem pode-se razoavelmente as supor serem consequências daquela opinião de onde a Seita deriva sua denominação.
Não seria considerado justo afirmar que todo Protestante crê na Consubstanciação, ou na absoluta Predestinação e Reprovação, porque Lutero era zeloso por um e Calvino por outro; por que, então, deveriam os erros e perversidades de outros serem imputados a nós, enquanto nós sinceramente lutamos contra eles? E quanto à nossa Doutrina do Batismo, nós esperamos que todo Cristão que tenha investigado as Escrituras saiba que não nos falta evidência, ao menos quanto à nossa opinião e prática, como a caridade Cristã pode consentir, embora no juízo de alguns homens nós devamos ser reputados enganados; e será facilmente aceito pelos Eruditos que não há nenhuma impiedade na nossa Doutrina do Batismo, nem oposição ao Governo Civil, ou à Autoridade de sua Majestade, nem pode o dano de nosso Próximo ser a sua consequência natural.
E, portanto, nós humildemente esperamos que o poder Onipotente do Céu e da Terra irá de tal forma dispor o coração de sua Majestade e de seus Povos, que nós possamos adorar a Deus em paz e liberdade, de acordo com a Fé que nós recebemos, vivendo uma vida pacífica e quieta em toda santidade e honestidade.
Post-Script
Para que possa ainda mais plenamente se mostrar que nossos Princípios sugeridos nesta Defesa sobre a sujeição ao Magistrado e Governo, contra as opiniões e práticas opostas, não são novas, muitos menos derivadas de nós a partir do fracasso dessa empreitada Trágica, nós julgamos adequado publicar juntamente uma Defesa de nossos antigos e constantes Princípios, apresentados com nossa humilde Petição à mais excelente Majestade do Rei alguns meses atrás, no ano de 1660.
______________________William Kiffen. Henry Den.
______________________John Batty. Thomas Lamb.
______________________Thomas Cooper. Philip Travors,
______________________John Pearson. Thomas Penson.
______________________Henry Hills. Fran.Smith.______________________Edward Harrison. John Gosnold.
______________________Samuel Tull. Tho. Bromhall.
______________________John Cox. Samuel Stanton.
______________________Jam. Knight. John Browning.
______________________Chr.Blackwood. Thomas Lathwel.______________________Edward Roberts. John Spilsbery.
______________________John Man. Jer.Zanchy.
______________________Z. Worth. Joseph Simpson._________________________________John Rix.
_________________________________John Clayton.
_________________________________Daniel Royfe.
_________________________________Mark Cam.
A relação entre os Batistas Gerais e os Batistas Particulares
O argumento de Bingham é que este documento não reflete qualquer aproximação substancial entre os Batistas Gerais e os Batistas Particulares, que não existe nenhum denominador comum entre os dois grupos e que o texto não passa de uma mera conveniência política circunstancial em face aos eventos concernentes à rebelião e suas possíveis consequências. O primeiro problema dessa leitura é que ela desconsidera o fato bruto e inconteste de que, entre todos os inúmeros grupos teológicos do período, os únicos que se efetivamente se ocuparam de um esforço conjunto, com vistas a oferecer um documento comum, foram os Batistas Gerais e Particulares. Ora, fossem esses grupos imiscíveis como água e óleo, da forma como sugere Bingham, poderiam simplesmente ter apresentado apologias distintas junto ao monarca em defesa de seu grupo e de seus valores singulares. Em vez disso, houve não apenas um esforço de aproximação entre os grupos, mas o processo frequentemente árduo de elaborar um texto de comum acordo entre partes que, evidentemente, possuíam diferenças de alguma monta.
Além disso, a Humble Apology deixa claro que, na percepção geral das autoridades após a sedição de Venner, poderia haver alguma relação entre aqueles que batizam sob profissão de fé e aqueles que tomam armas contra o governo. Os batistas se mostraram plenamente capazes de entender essa lógica, que era fundamentada no imaginário acerca dos Anabatistas. Por isso mesmo o documento emprega enorme energia em diferenciar os Batistas Ingleses dos Anabatistas continentais. Grande parte do argumento do texto é simplesmente um desvencilhamento da pecha de “Anabatistas”. Ora, isso nada mais é do que um movimento duplo: ao mesmo tempo em que os batistas se afastam, em termos identitários, dos Anabatistas, eles marcam uma semelhança importante entre si. É claro que não se trata de uma aproximação positiva em termos de eclesiologia ou soteriologia, é claro, por outro lado, que se trata de uma aproximação mais marcada pela rejeição ao anabatismo do que pela comunhão interna, mas não é possível desprezar que, para os Batistas Gerais e Particulares, existia algo substancial que os aproximava. Contribui para essa ideia a afirmação expressa de que entre os Batistas e os Anabatistas “tampouco houve qualquer correspondência ou conversação entre nós”. O “nós” e o “eles” são cristalinos nessa proposição, e, conquanto se assevera que nenhum diálogo existiu entre esses dois grupos, é evidente que o oposto é verdadeiro no que diz respeito aos Particulares e os Gerais, do contrário nem mesmo esse documento teria sido possível.
Agora, o que seria o elemento aglutinador entre Gerais e Particulares? Seriam apenas suas perspectivas políticas? Pacifismo e submissão? Não me parece. Na Apologia, diversas vezes o batismo de crentes é referido por “nossa Doutrina do Batismo” ou cognatos. O coração da argumentação da Apologia consiste na declaração de que é impossível derivar o radicalismo político dos Anabatistas a partir da “nossa Doutrina do Batismo”, e que, portanto, os Batistas não devem ser julgados pelos erros Anabatistas. É evidente que os signatários do documento se enxergam enquanto um grupo que afirma concordância na questão do batismo, o que é suficiente para que apresentem um documento oficial em conjunto.
Mais interessante ainda é o paralelo que o documento traça entre a multiplicidade de Protestantes e as diferenças entre os adeptos do batismo de crentes. “Não seria considerado justo afirmar”, diz o texto, “que todo Protestante crê na Consubstanciação, ou na absoluta Predestinação e Reprovação, porque Lutero era zeloso por um e Calvino por outro; por que, então, deveriam os erros e perversidades de outros serem imputados a nós, enquanto nós sinceramente lutamos contra eles? E quanto à nossa Doutrina do Batismo […]”. Aqui, o documento apresenta uma categoria abrangente, i.e., “Protestante”, e diferencia dentro dela os luteranos e os reformados. Aplicando esse paralelo “quanto à nossa Doutrina do Batismo”, o documento deixa claro que existem diversos grupos que defendem o batismo de crentes, mas que há diferenças entre os grupos que o promovem. Curiosamente, a diferenciação não é entre os Batistas Gerais e os Particulares, mas entre os “Anabatistas” e os “Batistas”! Particulares e Gerais, segundo o texto, compartilham uma mesma doutrina sobre o batismo, a qual não deve ser confundida com a doutrina dos Anabatistas.
Algumas páginas na sequência, Bingham invoca exemplos de autores Batistas Particulares específicos para corroborar sua tese de que não havia qualquer concordância possível. Ele menciona o tratado de John Spilsbury que rejeita a perspectiva daqueles que defendem o batismo de crentes mas promovem, ao mesmo tempo, uma visão soteriológica sinergística. Sua apreciação é de que
Os comentários de Spilsbery são especialmente significativos porque eles representam uma tentativa deliberada de Spilsbery de se distanciar daqueles que, como ele coloca, “parecem ter o mesmo julgamento que eu sobre o batismo”.
Orthodox Radicals, p. 21.
Ora, considerando que Spilsbury foi um dos signatários da Apologia, parece muito mais razoável que sua crítica tenha sido dirigida aos Anabatistas do que aos Batistas Gerais (embora seja também possível que Spilsbury tenha mudado sua percepção ao longo dos quinze anos que separam esses tratados).
Conclusão
Bingham investe pesado na sublimação de categorias historiográficas consagradas nos estudos batistas. O revisionismo é sempre rico, na medida em que oxigena a visão geral que temos dos fenômenos históricos, mas frequentemente os revisionistas pecam por destruir “tudo o que está aí”, impondo sua própria leitura sobre manifestações altamente complexas. Acredito que precisamos levar a sério quando Gerais e Particulares se unem em torno de um documento e de uma doutrina específica para afirmar sua identidade, em vez de descartá-lo como exceção circunstancial. Uma leitura detida do documento mostra que, mais do que um tratado celebrado a contragosto, a Apologia transmite uma percepção clara de distinção entre “Anabatistas” e “Batistas”, colocando, no mínimo, dúvidas sobre a possibilidade de rejeitar completamente a noção de uma identidade “Batista” no século XVII.
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BINGHAM, Matthew. Orthodox Radicals: Baptist Identity in the English Revolution. Oxford University Press, 2019.
HYDE, Edward (Earl of Clarendon). The History of England, during the reigns of the royal house of Stuart. Londres, 1730.
KIFFIN, William, et. al. The Humble Apology of some commonly called Anabaptists. Londres, 1660.