Na outra [edição], há cinco nomes que não estão nesta, a saber, Hansard Knollys, Benjamin Coxe, Thomas Holmes, e os Ministros Franceses, sobre os quais, e de cuja igreja, nós nada sabemos.
Joseph Ivemey, History of the English Baptists, vol.II, p. 295.
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A história, enquanto relato fidedigno dos eventos passados, está sujeita incontornavelmente às limitações exasperantes da história enquanto disciplina. Aquilo que a disciplina histórica não pode acessar, por falta de documentos ou de pesquisas, está para sempre privado do status de “fato histórico” – e, por isso mesmo, à mercê da literatura e dos discursos fantasiosos. No caso da história dos Batistas, muitas pedras jamais serão reviradas. É certo que muitos documentos se perderam, mas muitos outros também jamais serão redescobertos ou estudados. É a sina de uma área de pesquisa tão particular que, no mais das vezes, é vitimada por teólogos ou ideólogos pouco criteriosos que as pilham como bem entendem. Precisamos, a contragosto, aprender a lidar com o misterioso e o inacessível na história dos batistas.
Posto o desabafo, existe um curioso detalhe a respeito da Primeira Confissão de Fé Londrina que quase nunca é endereçado – compreensivelmente, por falta de dados a respeito. Sabemos que a primeira edição, de 1644, foi assinada por 7 igrejas de Londres, Middlesex. Sabemos também que ela foi revista e novamente publicada em 1646. Sabemos ainda que os nomes de alguns signatários desapareceram da confissão e que outros nomes foram adicionados.

Signatários da 1CFL (1644)

Signatários da 1CFL (1646)
O que nós não sabemos é quem são “Denis le Barbier” e “Christophle Duret”. Segundo a própria confissão, eles são ministros de uma congregação francesa, possivelmente também em Londres, que comungava dos princípios teológicos batistas. O mais provável é que se tratasse de uma congregação de exilados franceses. Tudo fica, entretanto, no âmbito das probabilidades. Nunca me deparei com nenhum tipo de esclarecimento sobre o tema, tampouco com qualquer tentativa de elucidar as origens e o destino dessa congregação. Nem mesmo W. T. Whitley, que escreve com intimidade ímpar sobre a história dos batistas em razão de seu conhecimento enciclopédico sobre o assunto, se pronunciou sobre o caso. Mais curioso ainda é que os “ministros franceses” deixaram de subscrever as versões de 1652 e 1653 da confissão.

Signatários da 1CFL de 1652 e 1653.
Seja como for, estima-se que no reinado de Luís XIV, na França, cerca de 40.000 ou 50.000 protestantes franceses tenham deixado solo pátrio em direção à Inglaterra, quando da revogação do Édito de Nantes. Mas o afluxo de franceses antedata o final do século XVII. Já no governo elizabetano a Inglaterra contava com algo em torno de 15.000 refugiados do continente, sendo uma parcela razoável de franceses. A maioria deles, talvez mesmo sua quase totalidade, compunham os chamados huguenotes, isto é, protestantes de matriz calvinista. As Guerras de Religião na França, que se aprofundaram na década de 1560-70, agravaram a necessidade de um porto seguro para o protestantismo.
Muitos desses exilados não tinham intenção de retornar à França, o que os levou a anglicizar, intencionalmente, seus sobrenomes. Em outros casos, a confusão linguística fez sua parte sozinha. Diversos nomes insuspeitos têm origem francesa, especificamente nesse contexto: Baker (Boulanger), Cross (de laCroix), Monk (Le Moine), Wood (Dubois). “Le Barbier”, como o do nosso ministro batista francês, transformou-se em Barber – e aqui é interessante lembrar do brilhante batista Edward Barber. “Duret”, na pena de Daniel Neal, acabou virando Durell:
No ano de 1646, ela [a Confissão] foi reimpressa, com os nomes adicionais de Denis le Barbier e Christopher Durell, Ministros da Congregação Francesa em Londres, de mesmo julgamento.
History of the Puritans, vol.III, p. 126.
Como surgiu essa congregação? O que os levou às convicções batistas? Como travaram contato com os batistas? Por que não subscreveram a primeira versão da confissão? Onde se localizava essa congregação? Qual era seu tamanho? Como era sua relação com as demais igrejas batistas? Houve alguma produção teológica substancial? Que fim teve essa congregação? Teriam retornado à França, carregando os princípios batistas consigo? Por que os pastores não subscreveram a versão de 1652 e 1653 da confissão? Acredito que o empenho e o amplo acesso à documentação poderiam esclarecer algumas dessas perguntas. Talvez, contudo, nunca tenhamos essas respostas à mão. No fim das contas, há momentos em que o dom – e o deleite – da imaginação é a resposta mais satisfatória que podemos ter. Permanece, por ora, a máxima de Ivemey sobre o caso: nós nada sabemos.
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IVEMEY, Joseph. A History of the English Baptists, vol. 2. Londres, 1814.
NEAL, Daniel. The History of the Puritans, or, Protestant Non-Conformists, vol. III. Dublin, 1755.