“Batistas Reformados”: um caso de Disforia Confessional ou de Bolchevismo Reformado?

Há pessoas que realmente se importam com o título de “reformado”. Isso se dá entre batistas, presbiterianos e reformados não denominacionais. É bastante visível, contudo, que essa disputa salomônica pela criança, isto é, pela grife, se aguçou deveras nas últimas décadas, na esteira — sem nenhuma coincidência — do crescente movimento batista reformado pelo mundo. Nunca antes os reformados se viram tão ciosos dessa alcunha. A “ameaça taxonômica” que os batistas confessionais lançaram sobre o universo reformado acendeu alertas e faróis sobre os usurpadores batistas. Recentemente, essa discussão foi reacendida, de forma prosaica e involuntária, por Luke Stamps que, no Twitter, afirmou: “Batistas não deveriam se identificar como ‘Reformados'”. O problema, se é que se trata de um problema, é que Luke Stamps é um batista de crescente influência e se alinha a um projeto que tem ganhado visibilidade nos tempos cada vez mais católicos e litúrgicos em que vivemos. Timothy George, patrono do movimento ao qual Stamps se filia, aproveitou a ocasião para se pronunciar, na plataforma do Desiring God, contrariando Stamps de forma irênica e indireta.

Neste post, que difere de todos os demais deste site por não abordar o assunto com citações extensas, na métrica do rigor acadêmico, compartilho impressões e ideias sobre o conceito de “batistas reformados” e seus usos.

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Disforia Confessional?

A tônica da tratativa reformada em relação aos “batistas reformados” é, inegavelmente, a da condescendência. Reformados de “alta prosápia” dialogam com batistas reformados como se sofressem de uma certa disforia confessional. Os pobres batistas se sentem “reformados”, se percebem “reformados”, identificam-se como “reformados”, mas não são, obviamente, reformados. Batistas que se autoidentificam reformados seriam um fenômeno tão moderno quanto o transgenerismo: a identidade batista em sua certidão de nascimento é a de um “anabatista”, ou “radical”; ele é um “não conformista nato” que escolheu passar por um processo traumático de redesignação confessional e, de repente, passou a se ver e se identificar como um reformado. Agora, exige que todos à sua volta respeitem sua autoidentificação e os tratem de forma condizente com ela.

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Uma nota sobre os estudos batistas reformados

Samuel Renihan foi entrevistado recentemente pelo podcast Theology Driven. O tema foi, como seria de se esperar, os batistas do século XVII. Episódios de podcast como este estão por toda parte nos últimos anos.

https://www.podbean.com/ew/pb-yqn63-b9da7b

Eu mesmo já perdi a conta de quantas vezes escutei as mesmas perguntas e as mesmas respostas. Sem meias palavras, é frustrante. A impressão que se tem é que as duas únicas perguntas que hosts de podcasts se prestam a fazer aos Renihan são “de onde vêm os Batistas” e “existe relação entre eles e os Anabatistas?”. Diga-se de passagem, quem faz essas perguntas – e, eu apostaria, a maior parte de quem as escuta – já sabe a resposta.

Por que a insistência nesses pontos? Será que o universo Batista Reformado se resume a essa miséria de ideias? Será que não existe mais nada que possa ser explorado? Até quando vamos viver dessa terra arrasada de reflexões?

O que explica a persistência ad nauseam dessa questão? A resposta é muito simples e preocupante. Ela evidencia que o “público” Batista Reformado, isto é, os hosts de podcast, os teólogos de twitter e os controversistas de facebook não têm nenhum interesse real na tradição Batista Reformada, e mal se dão conta disso. Fato é que pouco lhes importa compreender e resgatar a plenitude e a essência das ideias, dos valores e das práticas dos batistas do século XVII. O que lhes importa mesmo é afirmar seu pedigree reformado. A luta toda, lamentavelmente, se reduz a comprovar aquilo que é menos relevante: que os batistas são provenientes da nobre estirpe dos Independentes. Sequências intermináveis de tweets são feitos todos os dias em defesa da veia reformada batista. Teses inteiras de PhD foram escritas, recentemente, com o único propósito de demonstrar o sangue azul dos batistas. Vaidades.

Não me entendam mal: os Renihan são responsáveis pelos mais relevantes trabalhos até hoje já elaborados e em elaboração sobre o que realmente importa: a tradição dos valores e práticas batistas. Eles não são o problema, são a solução. O problema é a geração, geralmente jovem, de “Batistas Reformados de jaula” que desejam apenas ver afirmada e legitimada sua identidade aristocrática.

Acontece que essas questões só podem despertar um interesse espumante naqueles que não têm problemas pastorais reais para enfrentar. Não é o caso dos Renihan, e por isso suas obras vão sempre muito além dos interesses superficiais dos militantes. Há inúmeras perguntas relevantes que podem ser feitas e que parecem, apenas parecem, ter respostas óbvias. Em que medida a igreja participa do processo disciplinar? O batismo é realmente necessário para a membresia? Quais são os modelos de evangelização missional? Como entender a ação social da igreja? Qual a extensão da influência das associações sobre as igrejas locais? Pressupor que suas respostas estejam dadas é um erro terrível, é cair na armadilha de imaginar que as respostas da tradição são aquelas que gostaríamos que fossem, ou que nos parecem mais provável que sejam. A melhor obra a abordar alguns desses problemas é Edification and Beauty, de James Renihan. Em breve, como comentou no podcast, Samuel Renihan lançará uma obra sobre a igreja de Petty France, em que certamente alguns desses tópicos serão esclarecidos. É radicalmente sintomático, e pesaroso, que Sam tenha dito, em tom humilde e jocoso, que essa obra se trata de um “nerd book”. Não é. É o que mais nos deveria interessar. É onde, de fato, residem as questões relevantes. Um corpo de presbíteros se debruça muito menos sobre a natureza da Aliança Abraâmica e muito mais sobre a ordem de culto, sobre a conduta de seus membros, sobre as aflições de suas ovelhas.

Enquanto os Batistas Reformados insistirem em questões mesquinhas, que mais parecem refletir corações encharcados de orgulho do que de piedade, o interesse histórico e teológico sobre a vida e prática batista jamais romperá a barreira da disputa de egos. É preciso seguir em frente. É preciso investigar com liberdade. É preciso compreender a tradição plenamente. É preciso ser pastoral.

 

P.

Matthew Bingham, Christopher Blackwood e o problema da “identidade batista”

Como historiador, sou um entusiasta do trabalho de Matthew Bingham. A rigor, Bingham apenas coloca em prática, no estudo dos batistas do século XVII, alguns conceitos básicos para o ofício do historiador – o combate ao anacronismo, o desenho dos círculos de influência, a crítica conceitual etc. – e consegue oferecer, assim, um quadro bem mais realista do que aquele geralmente apresentado pelos teólogos que se aventuram pela história. Parte de seu esforço se concentra em apresentar os batistas como parte integrante do movimento congregacional, intimamente ligado aos Independentes. Mais do que isso, Bingham chega mesmo a questionar a validade das categorias de “Batista” e “Independente” para as décadas de 1640-50.

[…] Durante suas décadas iniciais e formativas, entre 1638 e 1660, os homens e mulheres rotulados de “Batistas Particulares” podem ser melhor compreendidos como congregacionalistas batistas¹ – uma identidade denominacional “Batista” só começaria a se solidificar após a Restauração.²

[…]

Talvez o uso mais antigo do termo “Batista” provenha de William Allen, um membro da congregação independente Arminiana de John Goodwin, em Londres, que deixou a igreja de Goodwin em 1653 para formar uma congregação batista em Lothbury. Em sua Answer to Mr. J[ohn] G[oodwin] (1653), Allen fez várias referências “aos Batistas”, frequentemente em contrastando-os diretamente “aos Pedobatistas”.

[…]

Entretanto, apesar da inauguração do termo durante os anos 1650, seguindo o uso do leigo William Allen, em 1653, nenhum ministro separatista parece ter aplicado o termo “Batista” a si mesmo até que o “Batista Geral” Thomas Grantham o fez em seu tratado de 1663, The Baptist Against the Papist.

Orhodox Radicals, pp. 39-42.

¹ No original, “baptistic congregationalists”. É o termo recorrente que Bingham procura emplacar, historiograficamente, para se referir aos batistas do século XVII.

² Isto é, 1660.

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